Comportamento

O novo mercado de bancos digitais de nichos

Iniciativas para negros, LGBT e pequeno investidor enxergam o cliente como pessoa

O novo mercado de bancos digitais de nichos
Uma das opções de cartão do Pride Bank, banco digital voltado ao público LGBT (Crédito: Divulgação)
  • Clientes de bancos de nicho tendem a ser fiéis porque os produtos são pensados para suas necessidades, nem sempre bem atendidas pelos demais
  • O Pride Bank tem como foco o público LGBT, especialmente as minorias mais estigmatizadas. A Grão incentiva pessoas que têm pouco dinheiro a começarem uma reserva financeira. Já o D’Black Bank quer facilitar o crédito a empreendedores negros
  • Em comum, os três cases trazem a mesma marca: enxergam os clientes como pessoa e, ao entenderem sua individualidade, empoderam esses consumidores

O vistoso cartão dourado que ilustra esta reportagem, estampado com asas em degradê nas cores do arco-íris, é apenas uma das opções que podem ser escolhidas pelos clientes do Pride Bank, um banco digital pensado para a comunidade LGBT, que abriu para o público em geral na metade de agosto. Como ele, outras fintechs optaram por focar em nichos específicos, de olho em necessidades nem sempre atendidas pelos players tradicionais do sistema financeiro.

A segmentação não é uma estratégia exatamente nova – os Estados Unidos já seguem esse caminho desde os anos 80 – e tende a ser bastante lucrativa para o negócio. A lógica é proporcionar um atendimento mais personalizado, que responda melhor aos anseios, desejos e dores daquele grupo de pessoas. E, com isso, obter uma maior fidelização dos clientes, fundamental para a longevidade do negócio.

“A empresa cria uma carteira de clientes que têm afinidade com o produto e não estão dispostos a migrar para a concorrência”, explica Fábio Mariano, professor do Mestrado em Comportamento do Consumidor da ESPM.

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Mesmo que outras marcas ofereçam vantagens, promoções e atrativos, o cliente desses produtos de nicho se torna fiel porque, além de ter necessidades atendidas, há um alinhamento de valores e propósitos, já que essas empresas tendem a abraçar causas que também são as dele.

Além do Pride Bank, o E-Investidor entrevistou representantes de mais duas fintechs de nicho. Uma delas usa a educação financeira para estimular pessoas que têm pouco dinheiro sobrando a criar uma cultura de investimento e realizar seus sonhos. A outra ajuda empreendedores negros, que costumam ter maior dificuldade para conseguir crédito.

Em comum, explica o professor da ESPM, os três cases trazem a mesma marca: enxergam o cliente, antes de tudo, como uma pessoa. E, ao entender essa individualidade, esses negócios promovem o empoderamento de seus consumidores.

“Um negócio que compreende o que é ser negro atende melhor essas pessoas e faz mais dinheiro ficar com essa população”, afirma.

Pride Bank: atendimento sem preconceito e fomento a projetos da comunidade LGBT

Se a sociedade brasileira já tem dificuldade para lidar com a diversidade sexual de modo geral, existem alguns grupos dentro do amplo espectro LGBTQIA+ que estão ainda mais expostos ao preconceito. E a insatisfação dessas pessoas com o atendimento recebido nos grandes bancos mostrou a Márcio Orlandi, um dos fundadores do Pride Bank, que havia ali um nicho a ser explorado por um banco digital – em que constrangimentos deixariam de acontecer.

“Vimos que o gay afeminado, a lésbica masculinizada, os homens e as mulheres transexuais se sentem envergonhados de ir a agências bancárias, têm medo de ser discriminados e maltratados”, diz.

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Depois de uma fase beta iniciada em novembro de 2019, com convites distribuídos a um número limitado de clientes, o banco digital fez sua abertura completa na metade de agosto deste ano. Como o espírito é de inclusão, nem faria sentido limitar o acesso a pessoas da comunidade LGBT – mas é de se presumir que elas representem boa parte dos clientes do Pride Bank.

“Não perguntamos a orientação sexual de ninguém, mas sim o gênero, para saber como a pessoa prefere ser tratada. Há um número expressivo de pessoas trans ou não-binárias”, explica Orlandi.

O Pride Bank nasceu com propósitos sociais claros. Um deles é ajudar coletivos e ONGs a captar recursos para seus projetos. Cinco por cento da renda bruta total é revertida para um instituto e redistribuída a iniciativas da comunidade LGBT. Em uma segunda etapa, quando o banco tiver adquirido maior musculatura, outros 5% irão fomentar projetos de cultura, entretenimento e lazer – de festivais de cinema e teatro a ligas de futebol gay.

“O banco foi criado para gerar dinheiro para essas causas. Está no seu DNA. Se daqui a alguns anos ele for grande, mas não tiver gerado impacto social, não terá cumprido sua missão”, afirma o CEO.

Por enquanto, tecnicamente o Pride Bank é um arranjo de pagamentos, o modelo mais simples de banco digital, com conta-corrente, cartão de crédito pré-pago e maquininha POS para empresas. No futuro, quando virar uma SCD (sociedade de crédito direto), os planos serão mais ambiciosos.

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“Queremos expandir nossa atuação para criar, junto com parceiros, um ecossistema de produtos e serviços adequados para esse público, de fundos de investimentos que apostem em empresas LGBT-friendly até seguros e planos de saúde”, sonha Orlandi.

A base de clientes deve ser ampliada por meio de parcerias com influenciadores e instituições com boa reputação dentro da comunidade. E o potencial de crescimento é enorme.

“A comunidade LGBT brasileira tinha cerca de 20 milhões de pessoas em 2017, segundo o IBGE. Se atingirmos 5% dela, teremos 1 milhão de clientes. Não é difícil”, conclui o fundador do banco.

Grão: microinvestimentos para quem nunca guardou dinheiro

Já a missão da fintech Grão é trazer educação financeira e o hábito de investir para pessoas que nunca guardaram dinheiro, por simples falta de conhecimento e por acreditarem que não possuem recursos suficientes para isso.

“Ninguém olha para essas pessoas. Elas chegam no sistema financeiro com pouco dinheiro, às vezes têm R$ 100 ou menos para investir, e a única opção que encontram é a caderneta de poupança”, diz a empresária Monica Saccarelli, fundadora da Grão, que formou seu time em 2018 e lançou o aplicativo em 2019.

Ela conta que muitos desses clientes chegam à Grão totalmente crus quando o assunto é investimento. Sem entender, por exemplo, a lógica dos juros compostos, eles acham que o valor acrescentado ao principal não lhes pertence, e sacam apenas a quantia que haviam depositado.

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Para estimular o hábito de poupar, a fintech encoraja que os clientes guardem a partir de R$ 1. E propõe desafios de 7 dias e de 21 dias, em que R$ 1 deve ser investido diariamente durante todo o período. “Janeiro é um mês com adesão alta, por conta das resoluções de Ano Novo. O mês de aniversário das pessoas, também”, comenta Saccarelli.

Com esse incentivo, os clientes começam a formar suas reservas financeiras e, aos poucos, vão atingindo objetivos. “Muitos deles compartilham suas conquistas conosco e nas redes sociais. Temos histórias de clientes que fizeram a viagem dos sonhos e casais que puderam bancar a lua de mel”, conta a empresária. “Com educação financeira, a pessoa transforma sua vida.”

O perfil típico dos clientes da Grão tem idade entre 25 e 35 anos, renda entre R$ 2 mil e R$ 3 mil e consegue guardar até R$ 250 por mês. A fintech aplica todos os valores em LFT (Tesouro Selic) e repassa os rendimentos integralmente aos correntistas, sem cobrar taxas. Com isso, eles conseguem um retorno melhor que o da poupança.

Para fazer os aportes, o cliente que possui conta corrente nos grandes bancos de varejo transfere o valor para sua conta digital na Grão. Já o desbancarizado pode emitir um boleto bancário e pagá-lo em uma casa lotérica.

D’Black Bank: mão na roda para o empreendedor negro

O D’Black Bank é o braço financeiro do Movimento Black Money, que busca inserir a comunidade na era digital e criar um ecossistema empreendedor negro. Nina Silva, uma das sócias fundadoras, trabalha há 20 anos na área de tecnologia e diz que nunca teve outros negros em seus times.

Ela se juntou a um trader e educador financeiro para criar uma fintech que desse aos empreendedores negros o suporte que eles não encontram nas instituições financeiras, principalmente na obtenção de crédito.

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“Os empreendedores até conseguem um empréstimo pessoal, dependendo do score que possuem. Mas, quando pedem crédito para empreender, para trazer tecnologia e qualidade para o negócio, as instituições tradicionais não concedem, porque a métrica olha apenas para o histórico da empresa”, afirma. “Isso amplia ainda mais as desigualdades. Muitos desses empreendimentos são de sobrevivência, e não de oportunidade”.

Ela aponta que a falta de abertura ao diálogo pelo mercado financeiro é fruto de um racismo institucional, que deduz que os negros não são capazes de gerir o próprio negócio. Para esses empreendedores, o D’Black Bank oferece taxas mais vantajosas, maquininhas POS sem custo de aquisição e sem mensalidade e o acesso a um marketplace com 320 lojas, em uma espécie de shopping virtual.

“Além disso, conseguimos formar com doações de empresas e pessoas físicas um fundo emergencial de socorro a 400 famílias negras em situação de miséria, impactadas pela pandemia. Elas receberam, por meio de um cartão recarregável, uma renda de R$ 600 por três meses”, conta Silva.

Para 2021, o D’Black Bank prepara serviços para a pessoa física, como conta digital, empréstimo pessoal e microcrédito direcionado.

“Os negros movimentam R$ 1,9 trilhão da economia brasileira. Nossas riquezas precisam ser geradas e gerenciadas por nós mesmos, para que não escapem das nossas mãos”, defende Silva. “Ninguém melhor para atender essas necessidades do que quem as sente na pele.”

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